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Doutorado na Unicamp discute potencial de espaços abertos na Cidade Universitária


Projeto de Arquitetura colaborou para obras de requalificação na instituição


Jornal da Unicamp

Há um antagonismo no espaço urbano atual onde cada vez mais as cidades tendem a se fechar ao uso coletivo e às manifestações de cidadania. Essa conduta não passou desapercebida da academia. Uma tese de doutorado da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC), defendida por Flávia Brito Garboggini, teve como campo de pesquisa a Cidade Universitária “Zeferino Vaz”, o campus da Unicamp, para avaliar o potencial dos espaços abertos na qualificação urbana. Ter olhado para esse retrato exigiu considerar a sua história, a concepção do seu plano diretor, sem deixar de contemplar a instituição como ela é 46 anos após sua fundação, em 5 de outubro.

A conclusão da pesquisa foi que ela colaborou para uma mudança de paradigma sobre os espaços abertos de uso coletivo da Unicamp, iniciando com a requalificação da praça do Ciclo Básico, um projeto piloto que agora, como efeito multiplicador, está levando suas diretrizes à praça das Bandeiras, ao polo de tecnologia da Unicamp e ao novo campus da Faculdade de Ciências Aplicadas. A obra de requalificação está finalizando, e a estimativa de conclusão é nos próximos três meses.

O doutorado de Flávia é o terceiro do novo programa de pós-graduação “Arquitetura, tecnologia e cidade”, criado há um ano. O elemento motivador foi a revalorização da vida pública, com uma preocupação maior com a cidade contemporânea. O estudo, entre 2006 e 2011, incluiu uma pesquisa-ação, que ainda deve ter continuidade para o registro da ocupação da Universidade.

A autora explica que os espaços abertos geralmente “são entendidos como tudo o que não é edificação e têm grande potencialidade de aplicações, dependendo de como são tratados. Alguns lugares podem ser de maior permanência, outros só de passagem. Valoriza-se o ambiente de uma maneira geral”.

O espaço aberto do campus foi analisado pela vertente do desenho urbano, como se daqui para frente houvesse um marco: o pensamento de enxergar e tratar os espaços valorizando não apenas as edificações – também o entorno, em interação com a comunidade.

Na cidade tradicional, desde a Idade Média, os edifícios definiam os espaços urbanos e seus contornos funcionavam como paredes dos ambientes externos. Já a partir da cidade moderna, do século 20, os edifícios tornaram-se autônomos, e a malha viária passou a defini-los. Isso desvirtuou o espaço aberto como local de convivência, e as atividades passaram a ser dispersas no território.

Nesse contexto surgiu a Unicamp, distante da cidade, formada para funcionar isoladamente. Vários prédios ficaram prontos sem ter calçadas e caminhos para chegar até eles, sem falar na urbanização do entorno, que em muitos casos não foi projetada.

Pesquisa-ação

Vendo a relevância que isso tinha para a instituição, a doutoranda, que passou a atuar como arquiteta da Coordenadoria de Projetos (CPROJ) da FEC, idealizou o projeto para a praça com o arquiteto Antonio Luis Castellano, aplicando os enfoques da sua pesquisa acadêmica.

Seu trabalho foi enriquecido com uma pesquisa-ação, metodologia em que o pesquisador não é só um observador do processo. Interage com a comunidade para saber as percepções e expectativas dos vários agentes. Foram ouvidos alunos, funcionários, a Administração, visitantes e expositores da feira de artesanato, etc.

Após um tempo na CPROJ, a arquiteta transferiu-se para a Coordenadoria de Projetos e Obras (CPO) da Pró-Reitoria de Desenvolvimento Universitário (PRDU) e continuou gerenciando esse projeto, com a chance de poder avaliar o seu desempenho após a conclusão das obras.

A praça do Básico foi imaginada como um centro referencial de todo o traçado do campus, com as ruas radiais partindo dele. Foi planejada para funcionar como um espaço de integração entre a comunidade universitária, as unidades básicas e os setores institucionais.

Ocorre que a sua urbanização concretizou-se somente 12 anos depois, criando uma defasagem entre a concepção e a implementação do projeto. A praça foi inaugurada em 1978, final da gestão Zeferino Vaz, mais configurada como um espaço de passagem do que de uso.

O que ela tinha? O espelho d’água com uma escultura de pedra, pela qual jorrava água; o teatro de arena; a torre da caixa d’água e os caminhos radiais. Nesse tempo, já havia o Ciclo Básico 1, e as pessoas se reuniam ali.

Requalificar a praça envolvia, além de espaço físico, estimular novos usos para que atingisse o potencial esperado. O próprio arquiteto Bross confirmou que “a praça nunca alcançou esse plano e que o nosso estudo poderia retomar a concepção de forma repaginada”, informa Flávia.

O seu projeto buscou respeitar o traçado original da praça. Para a área do espelho d’água, de cerca de 50 metros de diâmetro, sugeriu-se a preservação, fazendo um trabalho com sobreposições. Sobre parte dele, construiu-se um tablado, que deve atuar como palco para manifestações artístico-culturais, tirando partido do desnível natural do terreno.

No ponto central, havia uma escultura de pedras que, com o tempo, cedeu e virou uma ilha com árvores. Esse elemento gerou um bloqueio visual, tirando a noção da escala e de orientação do restante da praça. Não se podia enxergar o outro lado.

Para esse local, a arquiteta propôs uma escultura urbana verticalizada, marcando esse momento de inovação da Universidade. “Em breve, será aberto um edital para que artistas se candidatem a fazer projetos de arte que sejam cambiáveis, dando-lhe dinamismo.”

Fora isso, foi criado um deck metálico em forma de elipse, suspenso sobre o espelho d’água, fazendo um percurso que liga o Ciclo Básico 1 ao Básico 2. Essa intervenção se justifica, uma vez que aquele espelho d’água, ao invés de integrar as pessoas, as dispersava. Ao chegarem ali, tinham que contorná-lo.

Com a inserção da nova estrutura, elas podem cruzar pelo centro da praça, que une os dois conjuntos principais. Uma marquise semicircular vermelha cobre uma área extensa, reforçando o traçado circular da praça e possibilitando outros usos.

O projeto expandiu-se para a direção do Restaurante Universitário e interligará a praça ao bairro da Cidade Universitária, nas proximidades do Arquivo Central. O local será uma rua de pedestres.

Conforme a docente da FEC Silvia Mikami, orientadora da tese, a praça do Ciclo Básico foi o embrião do projeto, e a ideia de valorizar os espaços abertos no projeto da Universidade foi aos poucos tomando corpo. “Agora suas diretrizes vão se irradiando: os padrões urbanísticos de desenho de piso, de elementos de mobiliário e de desenho urbano passaram a ser usadas em outros campi”, festeja.

Os pisos têm rotas para pessoas com necessidades especiais e ciclofaixas. Foram feitos em blocos intertravados de concreto, com apelo de sustentabilidade: são permeáveis e drenam a água da chuva; se precisarem ser removidos, não geram entulho e são reaproveitáveis.