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O ‘envelope solar’ e o planejamento urbano


Estudo prega que revisão da legislação urbanística incorpore acesso ao sol e à luz





O arquiteto Denis Roberto Castro Pérez desde há muito se sente incomodado com construções sombreadas pelas edificações próximas, que as impedem de receber iluminação natural adequada e as priva dos benefícios bactericidas do sol e da possibilidade de utilizá-lo como fonte de energia. Passou então a se perguntar como resolver esse problema. A oportunidade de se dedicar à questão surgiu já no mestrado e ampliou-se no doutorado, ambos realizados na Unicamp. Moveram-no, também, as discussões sobre o modelo de bairro mais apropriado ao desenvolvimento saudável e sustentável.


A partir delas surgiu o posicionamento a favor de uma cidade mais compacta, verticalizada, com densidade demográfica adequada, que possibilite o aproveitamento da infraestrutura existente, encurte o deslocamento entre moradia e trabalho e diminua a necessidade de transporte individual. Essa visão contrapõe-se ao modelo de cidades-jardim, com baixa densidade populacional, que se estendem para muito além dos muros da cidade, acessíveis apenas a segmentos sociais bem aquinhoados financeiramente e que em geral dispõem de mais de um veículo de transporte próprio.


Além de tudo, estas soluções implicam na extensão da infraestrutura municipal muito além dos limites da cidade em termos de vias pavimentadas, fornecimento de água e de energia elétrica, recolhimento de esgoto. Paralela e progressivamente, ocorre a consolidação da ocupação de áreas de risco por populações carentes. Estas questões são consideradas no estudo desenvolvido pelo pesquisador no Laboratório de Investigações Urbanas da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Unicamp – que trata mais particularmente das diretrizes solares a serem adotadas para o planejamento urbano – que deu origem à tese de doutorado, orientada pelo professor Edison Fávero.


O pesquisador considera que o trabalho se revela particularmente oportuno a partir da promulgação do Estatuto da Cidade (lei federal No.10 257, de 10/07/2001), em pleno vigor, que estabelece diretrizes gerais para a política urbana através de normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.


Apesar de vigorar há quase 12 anos, as sugestões urbanísticas por ele preconizadas ainda não estão sendo aplicadas, do que decorre o contínuo crescimento desordenado das cidades, com bairros ao redor dos grandes centros sofrendo pressões para mudanças de uso, de ocupação do solo e permissão para a verticalização, enquanto paralelamente as periferias crescem ilegalmente. A morfologia atual das cidades brasileiras continua sendo o reflexo do acúmulo de edificações que não obedecem a boas orientações e nem contemplam ganhos energéticos.


Entre outros instrumentos, o Estatuto da Cidade prevê o estabelecimento, de forma democrática, do planejamento municipal através de um plano diretor que discipline o parcelamento, o uso e a ocupação do solo e o zoneamento ambiental. Para controle do adensamento populacional estabelece a utilização do coeficiente de aproveitamento, que resulta da relação entre a área edificada e a área do terreno. Estão afetas ao Estatuto as cidades com mais de 20 mil habitantes, excluindo, em decorrência, da obrigatoriedade de um plano diretor cerca de 80% dos municípios brasileiros. Recomenda que o plano diretor seja revisto ao menos a cada dez anos, o que torna o trabalho particularmente significativo para Campinas, que atualmente discute a sua reformulação. O autor considera que, embora a cidade já disponha de um plano diretor, ele não exprime os anseios da população hoje, a exemplo do que deve ocorrer em muitos outros municípios.


MOTIVAÇÕES


Denis considera que urge a revisão da legislação urbanística, tanto nos planos diretores como nas leis de uso e ocupação do solo, de forma a incorporar propostas que garantam o acesso ao sol e à luz. Constata que o reduzido aproveitamento, tanto passivo como ativo, da energia solar tem levado à frequente necessidade de climatização e iluminação artificiais durante todo o ano e impedido a utilização de sistemas solares destinados tanto ao aquecimento como à produção de energia elétrica. Como se sabe, esta pode ser vendida, durante os períodos do dia em que não é utilizada, pelo consumidor à concessionária distribuidora, a exemplo do que já ocorre com sucesso em importantes cidades em todo o mundo.


O objetivo da tese é o de fornecer elementos, mediante o estabelecimento de diretrizes solares, para o planejamento urbano, utilizando o chamado envelope solar como critério de adensamento e verticalização. O conceito de envelope solar surgiu, em 1980, com Knowles e Berry, e corresponde ao maior volume que uma edificação pode ocupar no terreno de forma a permitir o acesso ao sol e à luz natural na sua vizinhança imediata. Esse elemento de volume pode adotar formas as mais diversas. O estudo desenvolvido propõe a aplicação desse recurso como subsídio para a formulação de normas regulatórias de adensamento e verticalização nos processos de planejamento urbano e de projetos de construção de edifícios. O trabalho se propõe a verificar o potencial do envelope solar como possível critério para criação de diretrizes urbanísticas aplicáveis no controle da ocupação do solo, buscando maior eficiência no adensamento dos espaços urbanos.


O estudo visa resolver tanto os problemas enfrentados por bairros que sofrem pressões para mudanças no uso do solo, como atender as vicissitudes das periferias que crescem ilegalmente. Além de tudo, pretende fornecer ferramentas para o enfrentamento do abandono em que se encontram as pequenas cidades em decorrência de não disporem de legislação simples, eficaz e exequível não só devido à carência de recursos como à falta de pessoal qualificado. “Com o trabalho estamos pretendendo colaborar para a criação de legislações simples que possam ser desenvolvidas e mantidas pelos municípios de parcos recursos financeiros e humanos, de maneira a lhes garantir um desenvolvimento racional e sustentável e que atenda os interesses de suas populações”, diz ele, referindo-se aos municípios de menos de 20 mil habitantes e não contemplados pelo Estatuto.


ESTUDO DE CASO


Para o desenvolvimento do trabalho, o pesquisador adotou como estudo de caso o bairro de Nova Campinas, próximo ao centro da cidade de Campinas e vizinho do tradicional bairro do Cambuí, que se contrapõe como exemplo de ocupação desordenada e sem planejamento. A escolha deveu-se ao fato de tratar-se de uma região semelhante às existentes em tantas outras cidades, situada ao redor de um centro consolidado e verticalizado e que sofre pressões para mudança de uso, adensamento e verticalização. É caso de Nova Campinas, bairro inicialmente residencial. Tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Artístico e Cultural de Campinas (Condepacc), a pedido de moradores, teve esse tombamento posteriormente cancelado por decreto municipal por pressão de outro grupo de moradores, gerando naturalmente um grande conflito de interesses.


Neste estudo de caso em que prevê adensamento, verticalização e ocupação mista do bairro, o pesquisador utilizou o software Rhinoceros, com os aplicativos Grasshopper e Diva, introduzindo os módulos construtivos dentro dos volumes dos envelopes solares gerados. Esse recurso permite o dimensionamento das áreas a serem utilizadas e o estabelecimento das taxas de ocupação, dos coeficientes de aproveitamento e das alturas das edificações. Possibilita ainda a geração de figuras representativas de cada lote e suas respectivas construções. No caso, foram mapeados cinco quarteirões do bairro e estabelecidas comparações entre o que se tem e que se poderá vir a ter.


EXPECTATIVAS


Denis espera que o estudo com base nas diretrizes solares possa oferecer subsídios para a elaboração do novo plano diretor de Campinas, atendendo às suas necessidades específicas. Porque, constata ele, cada região apresenta características particulares em função da latitude, do que decorre diferenças na inclinação dos raios solares. Além disso, outros fatores geográficos determinam o clima e diferenças nas temperaturas médias, mínimas e máximas em cada estação.


Consideradas as especificidades de cada região, ele acredita que os resultados do trabalho podem ser aplicados em bairros situados em centros urbanos já consolidados, que ainda se mantêm horizontais e oferecem possibilidade de verticalização. A ideia é contribuir para estancar o crescimento disperso das cidades, considerado nocivo por exigir extensão para as periferias das infraestruturas básicas que envolvem asfalto, saneamento básico, recolhimento de aguas pluviais, rede elétrica e linhas de transporte. Com a agravante de que esse tipo de desenvolvimento cria estruturas distantes e apartadas do centro. ”Se temos bairros próximos ao centro da cidade, como Nova Campinas, Taquaral, Ponte Preta entre outros, a exemplo de todas as cidades do país, por que não compactar?”, pergunta ele, defendendo o aproveitamento máximo da infraestrutura já existente, porque considera mais fácil redimensionar as redes de abastecimento de agua existentes, por exemplo, do que levá-las para a periferia. Em vista disso, ele defende o adensamento, a partir da verticalização dos bairros horizontais, com baixíssimas densidades populacionais, transformando-os em conglomerados com média ou até alta ocupação, dependendo da infraestrutura que possam oferecer. A cada área seria então atribuído um coeficiente de aproveitamento.


Denis conclui assegurando que “o uso do envelope solar presta-se ao estabelecimento de diretrizes solares para o parcelamento do solo urbano, adensamento e verticalização de bairros, bem como para a elaboração de projetos de edifícios com garantias de direito ao acesso ao sol e à qualidade ambiental”.


Publicação
Tese: “Diretrizes solares para o planejamento urbano: o envelope solar como critério para adensamento e verticalização”
Autor: Denis Roberto Castro Pérez
Orientador: Edison Fávero
Unidade: Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC)